quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Projeto

De repente eu percebi como sempre chego atrasado. Como demoro para chegar a conclusões que os outros já tiveram há tempos. Como não sou precoce em nada. Como demoro para ler, como demoro em relações de todo tipo, como sempre penso com atraso, como faço as coisas depois que o tempo delas passa, como com isso não impressiono ninguém e como com isso nada do que faço costuma ter muita importância ou eficácia.

João Montanaro tem quatorze anos e já sabe o que fazer da vida. Na idade dele eu desenhava também, como de resto ainda desenho; mas um traço atrofiado, estéril, eu devia ter me policiado a tempo, ter treinado a habilidade quando ela podia se expandir. Não o fiz. Nem com desenho, nem com música, nem com cinema, nem com nada. Minhas idéias morrem muito cedo. Acho que elas perecem junto com minha competência. Tenho uma vida imaginativa fértil, mas quando é questão de colocar idéias em prática, percebo como sou inerte. Tenho um trilhão de projetos inacabados. Sempre penso que é a vez de retomá-los, mas não tenho forças. Faltam-me também o tempo, a disciplina, a paciência, o orgulho. Penso que as idéias não eram tão boas assim afinal, e aí deixo tudo de lado. E depois de um tempo percebo que aquilo me faz falta e retomo a intenção outrora largada, para reiniciar o ciclo de abandono posterior, voltar à estaca zero, lastimar o tempo perdido.

Após alguns meses de hesitação, decidi retomar um antigo projeto, com outras linhas. Não sei no que vai dar, mas, tome o tempo que tomar, devo isso a mim mesmo.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Old times

Outro dia li numa revista uma entrevista com uma atrizinha da Globo em que ela (por evidente falta de assunto melhor) comentava sua vida sexual, a exemplo de tantos intérpretes televisivos. Se a coisa já é ridícula por si só, fiquei mais bobo ainda quando vi que a tal moça, que deve ter a minha idade, comentava essas intimidades usando expressões como "tesão" — uma das palavras que mais abomino, não consigo ouvi-la sem me incomodar. Aí percebi mais uma vez que não me encaixo na minha geração.

Duvido muito que alguém de seus vinte e tantos anos irá estranhar ou mesmo perceber esse vocábulo largado no meio de uma entrevista (repetido várias vezes, até), pois já está incorporado ao idioma jovem brasileiro há um bom tempo, já não é tabu, não é polêmico, não é nada. As pessoas falam "tesão", e isso é um fato. Assim como falam "transar", assim como pensam e agem de uma maneira perfeitamente compatível com os tempos modernos mas que não me diz nada. E que às vezes até me incomoda.

Eu queria escrever com pluma e gosto de cartas e outros anacronismos, mas não é só por isso que me sinto de outro século. As cabeças dos meus colegas de época giram em outro sentido: eu sou Ptolomeu, eles são Copérnico. Eu acredito em algo que já foi considerado ultrapassado, mas as modernidades me assustam. No meu cursinho, não sei quantas meninas levantaram a mão e falaram que vivem com o namorado há não sei quantos anos, várias da minha idade já com filhos de idade considerável, os homens também possuidores de um código de vida e ética que nunca conseguirei decifrar, mesmo sendo do mesmo gênero, espécie, habitat e era que eles. Houve algum desvio que me deixou essa moralidade esquisita, esse pudor meio obstaculatório à minha total inserção entre meus parceiros de década.

Outro dia eu debatia na internet sobre as vantagens do meu bairro, que acho fantástico. Aí uma garota disse: é um bairro ótimo para se morar, mas os jovens querem baladas, bares. E eu sou considerado jovem, nenhum estudo classificatório ou censo diria o contrário. Mas eu não concordo com nada disso. Eu não chego nem a me sentir velho, porque velhos talvez sejam os pais, os avós dessas pessoas, e eles já acham tudo normal também, acostumaram-se com a idéia de seus descendentes agirem dessa maneira, já é para eles o retrato da mocidade de hoje, eles compactuam, apóiam, entendem. Eu não. Eu me sinto é deslocado, como se fosse um jovem normal, mas de outra época.

Falta descobrir de qual.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Holograma

Acho engraçada a imagem que fazem da gente.

Nos comentários deste post um cidadão ficou bastante chateado por eu ter respondido ironicamente a uma provocação e aí rodou a baiana, rasgou o verbo e desceu a ripa.

Já disse várias vezes que não me interessa muito esse tipo de juízo que fazem de mim, tanto mais que eu não conheço o sujeito e não faço a mínima questão de sua aprovação. Mas é curioso como a gente talvez passe impressões tão distorcidas que elas acabam valendo mesmo como se fossem nossas reais características. É aquilo: tão torto, tão torto, tão torto que acaba ficando reto. E ficamos assim.

O troll me acusa de ser pseudo-intelectual e falso erudito, quando já escrevi inúmeras vezes sobre minha inadequação com a educação formal, institucionalizada, e minha grande dificuldade em acompanhar o passo da cultura, ler mais, ouvir outras coisas etc. Diz que eu não sou mais que um grão de areia sem individualidade, e é justamente o que constatei em tantas ocasiões, já falando aqui sobre a minha insatisfação com isso: não viajei, não conheço o mundo, meu universo é restritíssimo e de fato não tenho qualquer possibilidade de projetar idéias, mudar conceitos ou o que seja. Ele não me ofende negando aquilo que eu nunca disse ser.

A única coisa que ele disse de obviamente errado foi a questão da interpretação de texto: não que eu saiba interpretá-los à perfeição, talvez não o saiba mesmo; mas o que ele escreveu realmente não é passível de ser analisado com lógica, mesmo com a maior boa-vontade em responder educadamente a seus comentários ingenuamente iconoclastas — essa ira de quem diz que é contra o sistema porque achou bonito na apostila de História ser contra as convenções de sua época.

Mas claro que eu já me deparei com trolls e sei que para eles comentar suas ações é o momento de consagração. Alguém que já chega com a empáfia de dizer "vamos ver até onde eu consigo debater com você" logo após ter-se introduzido de supetão com "um punhado de perguntas sinceras" e antes de terminar o assunto com "leia de novo para ver se entende melhor" é alguém que de fato não merece mais muita atenção.

Porém voltemos ao ponto inicial das impressões: apesar de o texto dele alegar o contrário, seu súbito esbravejamento, motivado por minha contra-depreciação, demonstra que ele é tudo que condena: falastrão, falsamente profundo, dono de idéias tão pífias quanto seus argumentos, e, pior, dono de um baita senso de arrogância e megalomania.

A melhor resposta para ele é deixá-lo sem resposta. Parece que assim ele não terá como reclamar, a não ser que arranje um jeito de discordar dele mesmo — o que não parece tão impossível...