terça-feira, 19 de outubro de 2010

O bom, o mau e o feio

O bom
Na sexta e no sábado eu pude conhecer pessoalmente um dos artistas que me acompanham há anos em minha vida: Fabio Civitelli, um dos principais desenhistas do granítico Tex. Cheguei à tarde no evento, e poucos minutos depois de lá aportar já avistei aquela figura de óculos, cabelos curtos, de elegância européia, simpaticamente andando por ali como um anônimo qualquer, cumprimentando a todos com grande polidez. Ele me deu a mão e eu ainda fiquei um tempo falando com alguns amigos — a maior parte conhecidos há eras, mas até então apenas por contatos virtuais — antes de ir para a mesa onde Civitelli estava e finalmente criar a coragem de pedir alguns autógrafos em gibis e livros que levara até lá. Não foi preciso implorar: Civitelli já sabia as solicitações que seus fãs lhe fariam, e além de assinar tudo na maior boa vontade, ainda dava a todos um exclusivo desenho de Tex na Avenida Paulista (!), falando gentilmente que era "um presente" (um dos termos em português que ele arriscou esporadicamente).

Na sexta-feira a coisa estava tranqüila e eu pude tomar o tempo de Civitelli durante muitos e muitos minutos: ele, incansável, mostrou e comentou para mim cada um das dezenas de desenhos, pranchas e folhas que levara para o evento, falando sobre sua técnica, sobre os efeitos pretendidos, o tempo de realização de cada ilustração, novos planos para outros projetos, bastidores do mundo dos quadrinhos e muitos outros assuntos. Ele não se estava fazendo de solícito; ele É assim. Era flagrante a paixão dele pela arte com que trabalhava, com as possibilidades da expressão dos quadrinhos, pelos leitores, gente que afinal o lê há anos e estava tendo a oportunidade de conhecer finalmente o criador de tantas páginas e personagens.

No sábado eu voltei ao evento, ele me reconheceu e entusiasticamente me cumprimentou assim que me viu. Falou-me, após eu pegar mais uma leva de autógrafos, que havia visto meu texto publicado na véspera no blogue de um amigo colecionador, velho conhecido de nós dois. Depois foi dar uma palestra, e fiquei mais um bom tempo entre amigos aficcionados por quadrinhos, finalmente me despedindo de todos para ir embora. Civitelli apertou minha mão e disse: "Ciao, Filipe!", sorrindo.

Hoje eu levei para emoldurar o desenho com a dedicatória exclusiva; mas sem dúvidas o mais interessante foi poder falar descompromissadamente com um desenhista acessível, falar do ofício de trabalhar com uma das minhas mídias prediletas, discutir de igual para igual com um artista que admiro e que nunca imaginei conhecer pessoalmente até poucas semanas atrás. Evidentemente tirei muitas fotos dos autógrafos e meus parceiros de jornada completaram o serviço com muitas imagens minhas no evento, mas aqui quero colocar apenas uma foto que ilustra bem a interação de que falei com tão pouca economia de elogios:


O mau
Paul McCartney, o lendário "garoto de Liverpool" se aproxima dos 70 anos com uma mentalidade que deixaria sua juventude rebelde de cabelos em pé. O que dizer de uma apresentação cujos ingressos custando centenas de reais são disputados a tapa? E isso considerando que nem há garantia de que todos consigam vê-lo, seja porque não há ingressos suficientes, seja porque há lugares vendidos em que nem uma luneta daria conta de desafiar a distância que separa o público do palco. Até aí, ele não poderia fazer nada, afinal, não projetou a casa de espetáculos; mas será que ele não poderia conversar com seus produtores sobre os preços exorbitantes praticados? Ele, um sujeito tão influente e respeitado, não pode perceber o absurdo que é cobrar valores tão gritantemente desajustados assim? Ainda mais em um país como o Brasil, notoriamente com uma eterna defasagem social, cobrar esses preços chega a ser quase insultoso. Mas quem reclama? Quanto mais altos os preços, mais o público se sente compelido a ceder a eles. Dizem que é a chance de uma vida, oportunidade de ouro, para nunca mais. Pode bem ser, mas há que se pesar valores, não? Não os dos ingressos, mas aqueles do bem-estar de uma pessoa. Vale mesmo a pena pagar quase mil reais por um tumulto infindável, para ver mr. McCartney, nas dimensões de uma pulga, se agitando num palco no qual você só ficará três horas? Vale mesmo a pena pagar dois mil reais num ingresso que algum especulador miserável comprou por seiscentos reais, para dizer que foi ao concerto e sentir-se especial por ter conseguido o ingresso tão raro? O inconformismo do ex-Beatle morreu à medida que ele envelheceu? O dinheiro entrou e seus princípios saíram? Como compactua com um mercado de esculacho como esse que transformou a corrida desenfreada para ingressos de seu show em uma demonstração das qualidades mais dispensáveis da vida em sociedade (competição vazia, ostentação de valores materiais, especulação criminosa)?

O feio
Gostava absurdamente de Laerte. Desde a genial Carol, da maravilhosa revista Zá, até os impagáveis Piratas do Tietê, seus trabalhos eram para mim sempre um motivo de comemoração. Desenhos incríveis, idéias sensacionais. Até que uma tragédia pessoal mudou o rumo de sua vida e de sua arte. E hoje ele está uma sombra do que foi. Mas o mais feio da história é que ele está numa crise terrível. Não apenas artística, mas pessoal. Ler esta entrevista é ficar um pouco mais descrente com o mundo. Laerte utiliza agora o experimentalismo como punição, e entendo que por isso suas criações têm sido monótonas, desagradáveis, cruas — um reflexo do que ele próprio hoje considera acerca daquilo que desenvolvia há décadas. Lamentável encontro de um artista com seu lado mais negro. Ainda espero que ele dê a volta por cima e reinvente-se, como deseja, de uma maneira que nem seu maior pessimismo poderá destruir.

11 comentários:

  1. Eu simplesmente caguei para o Paul McCartney. Os Beatles são quatro indivíduos que, unidos, são gigantescos, mas que não valem muita coisa isolados. E não tenho problema quanto à muvuca em shows, acho até que faz parte da graça, mas não vejo sentido em assistí-los num estádio. Já que é pra olhar o tempo inteiro para uma porra de telão, vejo tudo da TV mesmo.

    Medo do que possa acontecer com o Angeli. Uma maldição pairou sobre Los 3 Amigos e ele é o único invicto: Glauco pirou com inutilidades religiosas e foi assassinado, Laerte perdeu o filho e virou um semi-travesti.

    Aliás, foi só depois de ver as atuais vestimentas do Laerte que eu percebi haver algo de muito errado com a cabeça dele, hahaha. Muito bizarro.

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  2. Eu não conheço muito da carreira solo dos ex-Beatles, mas gosto de quase tudo. Paul acho ótimo, mas fora da banda eu só conheço superficialmente algumas músicas e álbuns dele. Agora, olha a palhaçada, que agrava esse quadro todo de que eu falei (e que só descobri hoje, lendo o jornal de ontem!): para o primeiro dia do show, o banco patrocinador do show fez uma "pré-venda" (entre aspas porque no final das contas era venda mesmo) EXCLUSIVA para seus clientes, DE 70% DO TOTAL DOS INGRESSOS. Meu, revoltante. Absurdo. Não tenho nem palavras para classificar essa máfia, essa pilantragem nunca regularizada. Eu não sou fanático pelo Paul (e nem pelos Beatles, apesar de gostar muito), então nem fico lá tão irado, mas são essas pequenas coisas que para mim demonstram como as coisas estão erradas, e como ninguém quer consertar nada. Enquanto isso, pessoal discutindo aborto para escolher presidente!

    Com relação a shows grandes, o único em que fui foi um do Deep Purple, tranqüilo. Mas o que reclamo nesses eventos gigantes é justamente isso que você disse: telão vê em casa, oras. Eu escrevi sobre o Civitelli no mesmo post de propósito: sei que a comparação entre contextos totalmente diversos é meio disparatada, mas eu prefiro um contato assim com um artista do que uma exibição besta de uma ostentação que não leva a nada, caso dos ingressos supermega caros do show do McCartney e a visualização inversamente proporcional que os compradores terão do que acontece no palco...

    E sobre o Laerte, muita pena. O cara pirou completamente. Sério, sei que "loucura é fundamental" para a arte, mas assim também já é algo auto-destrutivo. Eu torço para que ele saia dessa, mas nem sei também o que vai na cabeça dele. O Angeli realmente corre riscos, mas quem eu quero que se mantenha bem por muitos e muitos anos ainda é o "quarto amico": Adão! Como você disse, ele é o mais engraçado dos cartunistas brasileiros em atividade.

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  3. Sobre o show do Paul, bom, a farra dos downloads gratuitos e da democratização das músicas que podem ser baixadas aos montes teria que ter algum preço né? Ao menos enquanto não se encontra alguma viabilidade ecônomica que faça os autores continuarem lucrando. E óbvio que a sangria iria parar na inflação dos preços das apresentações. E isso tá acontecendo em qualquer lugar do mundo, não é privilégio daqui não, e com qualquer artista, até os ditos "engajados" como o Pearl Jam e o R.E.M. Ainda mais quando se trata de Paul McCartney, um nome que já virou uma marca inestimável no show business e que alimenta diretamente a barriga de centenas (talvez milhares) de pessoas, não tem idealismo que resista.

    Ainda sobre o show ser no estádio e etc, sem exageros. Obvio que não vai ter o clima intimista e a proximidade dos shows que você costuma ir. Apresentação em estádio é outra coisa, mas não necessariamente você vai ver o homem do tamanho de uma pulga. As arquibancadas proporcionam uma visão razoável, dependendo de onde você ficar. Dá pra aproveitar legal sim. E eu também não tenho problema em relação à muvuca. Aliás, não concordo com isso que você disse do "se sentir especial por ver o Paul ao vivo" pura e simplesmente. Ok, tem gente que pode até pensar assim (como tem gente que vai pra acompanhar alguém que gosta do Paul e nem é fã dele, gente que tava esperando há 40 anos por essa chance, enfim, "várias gentes" (sic), mas acredito que a grande maioria vai porque realmente tem uma história próxima com a música do cara. E eu acho sensacional isso: não consigo nexregar um show desses, da dimensão que um artista como Paul McCartney representa para bilhões de pessoas, presente na vida de tanta gente durante quase 50 anos, sendo a trilha de tantas vivências e experiências, só como uma absorção individual. Um show desse é quase um ato de comunhão. Posso estar romanceando um pouco a coisa, mas acho que reside aí a grande graça e emoção de fazer o que for possível pra ir num show desses e participar nesse momento único.

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  4. À parte o sentimento em shows grandes, estádios, aglomerações etc., que é pura subjetividade, concordo com tudo que você disse. E acho que o show vai ser bacaníssimo no quesito musical (o mais importante) e que todo o resto pode ser relativizado; mas infelizmente o que acontece (pelo menos eu vejo a coisa assimn) é que conhecer o contexto e gostar de fazer parte desse momento virtualmente histórico não muda o quadro de desonestidades e abusos praticado em larga escala por quem comercializada, divulga, produz o show... E é disso que reclamo. Não tenho nada contra a música do Paul, pelo contrário, como já disse; e da mesma maneira não faço nenhuma crítica a quem quer ir por nostalgia, ou só para acompanhar alguém, nada disso. Só acho que esse mercado especulatório de shows é um absurdo com que não se pode compactuar, e a meu ver nem ignorar: a gente está lá, estamos submetidos a essa enxurrada de transtornos...

    E por mais que soe como uma reclamação barata ou idealista demais, perceber o problema é sempre a primeira etapa na sua destruição.

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  5. Pois é, mas pra existem outros problemas qie precedem esse. Não adianta, tem toda uma lógica de mercado por trás que precisa funcionar de alguma forma. NO PAIN NO GAIN

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  6. Já fui a alguns shows na minha vida, tanto em estádios como em casas menores. Estive no Pacaembu em 93 e estou totalmentede acordo com o que o Vini disse: Paul ao vivo é um ato de comunhão, uma verdadeira celebração de milhares de pessoas. Para quem é fã como eu, é um show imperdível,seja de longe ou de perto. Mas me entristece o tipo de organização que temos no Brasil para uma megaevento como este. Essa história de venda antecipada para clientes Bradesco é uma palhaçada. Ninguém informa, com certeza, qual a porcentagem de ingressos que tiveram este destino. Setenta por cento? Acho este número meio exagerado, mas não duvido de nada. Os ingressos são caros mesmo e é esperado que sejam, pois imagino o quanto não custa para trazer um artista do porte do Paul para cá. Mas é claro que existe abuso. Os ingressos mais caro poderiam custar não 700, mas 1200 reais: ficariam esgotados da mesma forma. Uma cidade do tamanho de São Paulo tem gente de sobre com renda suficiente para este tipo de luxo. Mas aí, surgem os cambistas, que compraram ingressos à vontade nas bilheterias do Pacaembu. E a fiscalização? Cadê? Como se isso não bastasse é inadmissível que se cobre uma taxa de VINTE POR CENTO sobre o valor do ingresso como taxa de "conveniência" para entrega em domicílio. E não pára por aí: só pelo fato de ter comprado o ingresso pela internet, paguei 16% de taxa e terei que retirá-lo, alguns dias antes do show, nas bilheterias do Morumbi. Tem cabimento isso?
    Curiosamente, me lembro de ter comprado os ingressos para o show de 93 nas lojas da C&A, sem nenhum tumulto ou fila kilométrica.
    O mundo tá ficando cada vez mais difícil.

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  7. Lá fora o ingresso é MUITO mais barato, os preços no Brasil são completamente fora da realidade!

    Um show de grande porte aqui custa a praticamente a metade do salário mínimo! O ingresso do Bob Dylan por exemplo estava sendo vendido a 250 pratas!

    Vi o AC/DC na Nova Zelâdia e por 120/140 dólares (não lembro exatamente) e o valor do salário mínimo lá é de 12 dólares por hora.

    Na prática no Brasil o cara usa metade do mês para comprar uma coisa que lá fora o sujeito paga com dois dias de trabalho!!!!

    Mas fazer o que? Brasileiro gosta de tomar na bunda e a caceta tem que ser grande. Quanto mais "PAIN" melhor...

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  8. Isso da taxa de conveniência é mesmo um absurdo sem qualquer justificativa, Sergio. Mas quem combate? Nós não sabemos o que fazer; e quem sabe, nada faz. Não há interesse em podar a especulação desse mercado...

    E Luiz, não me faça ter mais vontade de sair do país, rs.

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  9. Eu acho tudo um absurdo também. Mas não tem como culpar o artista mesmo. Eu gosto, e quis acompanhar alguém, mas não dá! Não dá! Ainda tem que ser o show da minha vida, algo que eu ame muito pra me submeter a isso.

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  10. É complicado. Sempre você tem que pesar seus valores, porque há o conflito entre o que você pensa e o que a sociedade pratica.

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