segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Incitatus

O genial Adão Iturrusgarai — um dos cada vez mais raros "tiristas" consagrados que não se acomodaram na experimentalismo egoísta (como Angeli), na repetição ofensiva (como Glauco) ou na metafísica estapafúrdia (como Laerte) — publicou no cada vez mais bobo Folhateen, alguns meses atrás, um quadrinho na página final do caderno em que fazia pouco de várias convenções sociais e de relações, com seu habitualmente brilhante senso de humor. Pois bem, não é que os leitores tão letrados do maior jornal do país não conseguiram entender que era uma piada? Choveram insultos, xingos e absurdos nas mais variadas formas. Por várias semanas. Adão teve que se defender expressamente, pois a incompreensão era violenta e não dava sinais de acabar; disse que é sua função fazer comédia das pequenas coisas da vida, que esperava que todos compreendessem os limites da zombaria. Muito bem. Acontece que semana passada ele publicou novo trabalho polêmico no mesmo caderno, uma análise ácida sobre as desvantagens do casamento. Para não ser incomodado, Adão escreveu, já com a ironia que é obrigatória no trato com essas pessoas, que se tratava de uma obra de ficção e humor. E não deu outra, claro: mais reclamações e impropérios, publicados hoje. A análise das duas últimas cartas a seguir é clara e triste: as pessoas envelhecem mal, sem sensatez e sabedoria, apenas envelhecendo o corpo detentor de um espírito já de há muito velho, velhíssimo.

VALEU, ADÃO!
"Excelente a charge do Adão ["Humor", ed. 15/2]. Pena que o humorista tenha que frisar em sua obra de arte que se trata de um texto de humor, devido a pessoas sem senso de humor. E, o pior de tudo, apesar de sátira, o que ele diz é verdade: os jovens fazem sexo antes do casamento, casais vivem infelizes e por aí vai. O "cara" é o Adão, e não o Lula. E sobre o leitor Breno Correa, que criticou o Álvaro Pereira na edição anterior, faço o papel de advogado do diabo: quantas vezes uma música boa à primeira ouvida não se torna repetitiva?"
Mateus Luiz de Souza, 19, São Paulo

FORA, ADÃO!
"O sr. Adão voltou à carga com seu humor azedo. Tanto que precisa avisar que é humor, porque sabe que não é. Projeção de fracasso em construir a vida? Esse menoscabo do casamento é desconhecer a realidade. O vazio dos que frequentam barzinhos e as frustrações do sexo-descarrego estão levando as pessoas à depressão e à perda do sentido de viver. Construir uma família, crescer no amor e no aperfeiçoamento humano, enfim, dar sentido à vida é algo que o mau humor do texto crassamente ignora."
Durval Checchinato, 73, Campinas, SP

FORA, ADÃO 2
"Lamentamos o infeliz humor repassado às nossas crianças publicado no Folhateen de 15/2. O texto citado não contribui em nada para o futuro melhor, uma vez que deixa os jovens, ainda em formação, confusos e estimulados para um desregramento e desrespeito à instituição do casamento. Não há dúvida alguma de que a desestruturação familiar é a grande causa da violência que vivemos. Sem dúvida o texto induz a criança a ver o casamento como algo pequeno, feio e sem sentido para os dias atuais."
Delvani Alves Leme, 57, Curitiba

Pois é preciso que os jovens como Mateus destruam esses cancerígenos preconceitos contra toda forma de inconformismo e humor. Que acabe essa mentalidade grotesca de levar tudo a ferro e fogo. Porque foi gente assim que consagrou a Suetônio, um fofoqueiro de marca maior, o título de maior biógrafo dos Césares, e daí vieram absurdas crenças como a de que Calígula nomeou seu cavalo cônsul — ridículo imaginar sequer que isso não seja uma piada política qualquer, como as que hoje o Millôr Fernandes faz a todo instante —, Vitélio roubou comida dos templos dos sacerdotes e outras palhaçadas que pessoas como esses dois revoltados senhores que escreveram à Folha acreditam, pois já deixaram de rir há décadas.

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