segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Mar

Ontem foi o último dia da Bienal do Livro aqui em São Paulo. Eu fui com o meu pai na terça-feira e não pegamos praticamente nenhuma fila, e lá dentro também estava consideravelmente tranqüilo — pelo menos considerando o movimento habitual desses eventos. Eis que hoje e ontem li e vi fotos sobre a quantidade de pessoas que estiveram lá nos últimos dois dias. Eu não sei exatamente o número, mas era algo próximo à população da China, ou mais.

O principal mal de uma cidade como esta é a superpopulação. É preciso ser muito estúpido para acreditar que a qualidade de vida é diretamente proporcional à quantidade de pessoas que se amontoam e se acotovelam diariamente em cada canto das ruas. A grotesca enormidade de gente concentrada em um local acarreta mil transtornos, desde a falta de oportunidades decentes a todos (em saúde, trabalho etc.) até a dor de cabeça que é o tráfego, as chances de entretenimento e a segurança dia após dia. É como se a cidade fosse uma roupa apertada: podem até caber todas as gorduras excessivas, mas é muito incômodo, pinica, deixa marcas, sufoca e é desgastante tentar viver nela.

Há coisa de dez dias fui conhecer pessoalmente um dos meus ídolos quadrinhísticos, o mitológico Robert Crumb. Crumb e seu amigo e parceiro também célebre, Gilbert Shelton, estiveram na FLIP umas semanas atrás e a Livraria da Vila os contatou para um evento de "pequenas" proporções em uma de suas unidades, com direito a entrevista e autógrafos. Por que as apas? Porque a fama colossal de Crumb despertou a aparição de uma leva bíblica de seguidores de quadrinhos e malucos de todos os tipos, que infestaram a livraria nesse dia como siriris em volta de lâmpada no verão. Eu estava com dois amigos, e foi uma luta para conseguirmos três dos apenas quarenta ingressos para a oficialização da lembrança com um autógrafo dos dois artistas. O evento havia sido escassamente divulgado e mesmo assim atraiu cerca de quinhentas pessoas — em um espaço que, lotado, responderia apenas pela acomodação de trezentas.

Eu já tive a oportunidade de conhecer pessoalmente alguns cineastas, escritores, quadrinistas e até atrizes que admiro, mas sempre tentando fugir desse espírito de multidão que parece já ser uma das tônicas da paulistanidade. Eu os procurava em ocasiões mais discretas, longe dos mil desconfortos dos eventos nacionais ou amplamente divulgados. Para mim, fugir das turbas não é uma questão de orgulho, vaidade ou iconoclastia, mas uma tentativa de respeitar-me fora da avassaladora corrente de indivíduos que, juntos, são mais solitários que eu sozinho. A melhor coisa da vida é estar sozinho numa sala de cinema domingo à tarde, prazer que em São Paulo parece uma narrativa fantástica. Aqui o lema é se integrar, entrando no bolo e sendo mais uma cabeça no gado indistinto que todo dia pasta alegremente esperando o abate.

Antes só comigo que mal acompanhado pelas multidões.

13 comentários:

  1. Isso é uma merda mesmo. Na pré-estréia do Encarnação do Demônio fechada para a imprensa eu achei que seria tranquilo tirar uma foto e pegar um autógrafo do Mojica.

    Ele estava dando entrevistas para um monte de tv's num curral e parecia que eu não teria a chance de conseguir minhas lembranças, até que na cara de pau fiquei de butuca e assim que ele terminou uma entrevista fui pra cima dele e consegui minha foto e autógrafo. Mal deu tempo de respirar e uma multidão de pessoas resolveu fazer a mesma coisa que eu e ele ficou lá ilhado entre os fãs, curiosos e papagaios de pirata.

    Após a sessão fui tomar um café na própria galeria do cinema e todo mundo tinha ido embora, quando me dei por conta o Mojica estava sentado numa mesa já sem a fantasia tranquilo. Fui lá e bati o maior papo com ele que foi super simpático e receptivo.

    De quebra ainda ganhei um convite para uma festa fechada da galera do filme mas nem fui já que ele disse que estava cansado e iria para o hotel, mas foi do caralho passar meia hora conversando de igual pra igual com um dos meus ídolos e heróis.

    É foda mesmo, qualquer que seja o evento, por mais "underground" sempre vai ser difícil conseguir essas coisas.

    Uma vez tomei café da manhna com a Darcy e o Jimmy Chamberlain do Smashing Pumpkins, invadi o hotel na careta e eles deixaram a gente sentar na mesa com eles.

    Muvuca é uma merda, o cara meio que assina o que tem que assinar no piloto automático e você nem tem a chance de conversar direito com a pessoa.

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  2. É isso mesmo. Infelizmente o Mojica (que mora perto de onde eu estudava) eu nunca vi pessoalmente, pois só soube dele nesses eventos inundados de so-called fãs. A única oportunidade que tive para pegar um autógrafo dele foi comprando o Encarnação do demônio na série autografada da 2001.

    O legal é mesmo poder bater papo com as pessoas que você admira. Nesse sentido, o mais produtivo que tive foi com o Carlos Reichenbach, que sempre está bastante ocupado nas sessões do Comodoro aqui em São Paulo, mas que uma tarde recebeu a mim e a colegas meus para uma entrevista, e ficou durante horas conversando na maior animação com a gente. Esse é o tipo de coisa de que vale a pena correr atrás.

    Curiosidade nada a ver: vi Encarnação do demônio no dia seguinte ao da estréia, e na sessão seguinte à minha entrou a Rosanne Mulholland! Acabou ligando os dois cineastas de que falei, o Mojica e o Carlão!

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  3. Um punhado de perguntas sinceras, embora não te conheça:

    Robert Crumb diz ter nojo da humanidade, faz quadrinhos altamente críticos (embora inexoravelmente comerciais) e me aparece numa festa literária elitista e superficial como essa?

    1 - Por que gostar de Crumb após a fatídica constatação de que ele é igual a todo mundo? Pela contribuição artística? Então temos que concordar que devemos muito a Adolph Hitler, pois ninguém estimulou tamanha variedade de arte sobre um assunto quanto ele (posso citar Maus, no campo dos quadrinhos, por exemplo).
    Estou sendo irônico, obviamente, mas quero frisar que um canalha não deixa de ser canalha porque de alguma forma contribui pra nosso deleite estético.

    2 - Dito o dito, é possível não contaminar a obra de Crumb com sua aparente canalhice? - e digo aparente, pq não sei das justificativas dele para ser contraditório.

    3 - Não seria o Kafka (não o de Crumb) alguém mais próximo do ideal que Crumb literalmente vende? (se é mesmo verdade que o Kafka mandou queimar toda sua obra antes de morrer e foi sacaneado por seu amigo)

    Aguardo ansiosamente alguma manifestação.

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  4. Olha, não conheço o Crumb pessoalmente, só por quadrinhos, entrevistas, documentários e coisas do tipo. Só o que ele faz em arte me interessa: gosto muitíssimo de seu traço e acho que ele ou tem tiradas muito engraçadas e espontâneas (se ele escreve o que ilustra) ou desenha para textos realmente excepcionais (se ilustra para outros escritores, como o genial Harvey Pekar). Não sei a que você se refere quando fala do mau caratismo dele. Eu só o conheço como artista, e acho que ele tem um trilhão de méritos nessa área e merece sinceramente toda a aclamação que tem. Não sei como ele é na vida pessoal, isso é lá com quem convive com ele; ele costuma ser recluso e nunca fala muito sobre si (ou é bem contraditório, como você notou), mas isso fica em segundo plano: a maior autobiografia que um artista faz é por meio de sua arte, naturalmente. E claro que é possível gostar da arte dele por si só — não sabemos se Flaubert era um canalha e lemos seus contos e romances; desconhecemos o humor de Haendel e ouvimos suas composições; nunca pudemos nem sequer saber como Esopo realmente era mas seu texto é magnífico e ultrapassa tudo isso. Quer dizer, dá pra separar totalmente as coisas. E, como eu disse, no caso do Crumb a coisa a coisa é mais simples ainda: ainda que ele seja um canalha (nunca soube disso), ele é um autor maravilhoso.

    E claro que vender bem não quer dizer nada, esse é o sonho de todo artista. Quem faz arte para não ser consumida? O artista que acha que a arte não precisa de público ou é rico e não precisa disso ou é um iludido que acha que suas utopias íntimas determinarão o futuro de algo ou simplesmente faz arte para desanuviar, como quem pinta quadros para relaxar ou escreve diários para espairecer (e o engraçado é que se a pessoa ficar célebre até isso será divulgado, como por exemplo ocorreu com boa parte das cartas do citado Kafka).

    Por fim, não entendi o que tem Hitler a ver com o papo. Ele foi um personagem histórico, e todos os personagens históricos de grande relevância influenciam a arte de seu tempo, de alguma forma; mas isso evidentemente não é um mérito da pessoa ou de suas decisões, mas uma conseqüência natural da necessidade que as pessoas têm de expressar suas opiniões, pensamentos e sentimentos...

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  5. Bom, não só ACHO impossível separar autor e obra como demonstro ser logicamente inconsistente, FACTUALMENTE contraditório.

    Usando seus exemplos, só é possível apreciar Flaubert e Haendel, assim como qualquer manifestação artística, ou por ignorância ou por canalhice. E vou me explicar.

    Ignorância no sentido estrito - desconhecendo informações post factum sobre os autores torna sim plausível apreciar meramente a beleza estética de suas obras. Ignorar, por exemplo, que Flaubert espancava criancinhas durante seu processo criativo ou que Haendel costumava compor suas músicas em homenagem as mulheres que estuprava (ambas situações hipotéticas).

    É possível, também, alienar obras e autores para o bem da defesa do conteúdo artístico da criação. Isso eu já acho canalhice.
    Porque se aplica somente aos interesses de quem analisa.

    Explicitando - como bem fez Seth MacFarlane em um episódio de Family Guy em que ele esfrega na cara o contaditório anti-semitismo de Disney com seu mundo mágico e perfeito - é fácil dizer que o que interessa é a obra quando ela nos agrada e difícil não atrelá-la ao autor quando ela nos desagrada.

    Responda-me com sinceridade se não haveria contágio na obra de um desenhista se vc soubesse que ele nem sabe desenhar, por exemplo, usando um programa de computador que automaticamente cria traços, contrastes, enfim.
    Obviamente que vc diria se tratar de uma canalhice, embora o resultado final tivesse lhe agradado previamente devido sua ignorância.

    Usei Hilter como exemplo hiperbólico (já que o nome do cara é mais representativo em termos de canalhice do que o do próprio Diabo). Quis te mostrar a tênue linha que separa a criação do palatável e do insuportável. Há "bem" sem "mal"? Quem é "bem" e quem é "mal"?
    O repórter que noticia o espancamento de uma velhinha, filmando e entrevistando as pessoas enquanto se dá a violência ou os espancandores?
    Quantos prêmios de jornalismo são dados a matérias que exploram exatamente a passividade dos repórteres ante a realidade que os cerca, aproveitando-a em seu próprio benefício?
    Quantos fãs não ganham autores como Crumb, que criticam com ferocidade um modo de vida através de sua arte e vivem justamente desse modo, hipocritamente?

    Enfim, posso te dar mil exemplos, pontuar de mil maneiras como é logicamente inconsistente (ainda mais no caso do Crumb, que tem sua arte baseada na credibilidade dada à sua percepção da realidade) separar autor e obra.

    Aberto a argumentos.

    P.S. Sou amigo da Aline, através dela conheci seu blog e o li o suficiente para achar que posso debater com vc. Vamos ver até onde...

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  6. Bem, a contradição já começa no seu primeiro parágrafo, onde primeiro você frisa que ACHA impossível e depois diz que é um fato e que pode portanto ser demonstrado... Mas vamos por partes. Na verdade, creio que você confunde alguns conceitos. Posso estar errado, mas a meu ver é irrelevante para a discussão artística conhecer o verdadeiro caráter dos artistas (ou pelo menos o caráter que não é demonstrado em suas obras), sendo talvez uma tarefa mais apropriada à historiografia. Não dá para separar as coisas? Ora, não existe nada 100% bom e nem nada 100% mal, então por que condenar uma obra com base em um fator "externo" à sua essência (ou seja, a vida do autor)? Quer dizer, aí você só apreciaria as obras antigas, em que já perdemos qualquer traço mais confiável da personalidade do autor, já não sabemos mais como ele era, sua voz, aparência, seu jeito, suas manias e ações.

    Sobre sua pergunta, eu admiro muito um desenhista que de fato faz tudo por computador: o Maurício Ricardo, do Charges. Adoro o site e acesso todo dia, e ele "transporta" o traço dele para a animação virtual por meio de um programa computadorizado. Não há mal nenhum nisso, é o que ele se propôs a fazer e eu considero muito bem realizado e agradável a meus sentidos. Mas claro que se você quer radicalizar no exemplo e de fato considerar alguém que não sabe mesmo desenhar, olha, nenhum mal: não sei se os animadores da Pixar conseguem desenhar um pato numa folha sulfite, se os personagens de Toy Story foram inteiramente desenhados por programas de computador ou qualquer coisa do tipo, e não poderia me importar menos. O produto final é invejável e os filmes me emocionam muito.

    E viver do que se critica não é necessariamente hipocrisia. Quando se lida com arte, o conformismo pode ou não ser uma opção, e não existe arte que não vá de encontro a alguma coisa, mesmo que seja algo de que ela viva. Os Simpsons vivem de zombar da paranóia americana e são um mais do que típico exemplo de "American way of life".

    A minha dica para você é parar de se preocupar com as "intenções" dos artistas. Você nunca vai saber direito quais elas são, e vai viver numa neurose absurda se não conseguir abstrair essa obsessão na hora de apreciar alguma obra artística. Não dá para saber o que se passa na cabeça dos outros, e será mesmo necessário? Você está aqui comentando meus argumentos, mas me conhece? Quem sabe eu não sou um baita escroque, roubo freiras e espanco mendigos na rua? Caso isso seja comprovado, que eu seja punido com os recursos apropriados de que a sociedade dispõe; mas meus argumentos, meus pensamentos e meus textos continuarão válidos pois desvinculados de minhas atividades ilícitas...

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  7. É...

    Deixa quieto...

    Lê denovo aí pra ver se entende melhor ou desencana...

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  8. Acho que não vale a pena ler de novo, não. Obrigado.

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  9. Então tá. Digo o mesmo do seu blog. De nada.

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  10. Nunca disse que meu blogue precisava ser lido "denovo" para ser entendido. Não precisa nem ser lido e nem ser entendido. Mas fico feliz que você tenha dado a sua aulinha aqui, se isso fez bem para você. Desabafar anonimamente é de graça, né. Abraço.

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  11. Eu não censuro nada, nunca cortei um post deste blogue. Não sei por que razão sua nova mensagem não apareceu aqui, mas eu a recebi por e-mail e posto a seguir:

    "Não, o que faz bem pra mim é ver que mais um babaca pseudo-intelectual de boteco fica vomitando erudição quando não passa de um produto de prateleira, um engodo, um metido a besta ignorante, sem repertório, vaidoso, orgulhoso, sempre na defensiva, incapaz de interpetar um texto e entender algo dentro da lógica. Até porque subverter a lógica para justificar canalhismo é o que mais há.

    Dê você suas aulinhas com meras opiniões imbecis num mar de opiniões imbecis e sinta-se alheio ao que critica, sinta-se lapidado num mundo de pedras brutas quando na verdade é tão raro quanto um grão de areia.

    Desabafar anonimamente é de graça, assim como colocar um blog no ar e não ter capacidade e preparo para refutar alguém que não vem aqui babar ovo pros seus textinhos fracos, rasos, clichês. Já deveria saber, pela resposta que você deu a um outro leitor que te criticou, com quem estava lidando, mas sempre tenho que ver com os meus próprios olhos o que já sei de antemão.

    Fique aqui se masturbando, mesmo sem ter PORRA NENHUMA pra gozar.

    Anônimo? Isso interessa? Lógico, né? Prum idiota contraditório que nem vc, dizer que conhecer o autor não contamina a obra e cobrar identidade ante uma crítica faz sentido.

    Mas eu assino, mesmo sem saber se vc é um psicopata low-life que virá atrás de mim porque eu não lambi suas botas.

    Euclides Francisco Santeiro Filho"

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  12. Sobre seu post, nossa, que falta de amor-próprio, hein? Estou ligando muito para o que você acha de mim... Nunca disse que sou intelectual e nem erudito. Que explosão ridícula, totalmente desmotivada... E eu que achava que tinha problemas, rs. Evidentemente não tenho intenção de perder meu tempo provando (?) que não sou nada disso, até porque não consigo imaginar de onde você tirou que eu sou tão vaidoso e metido a besta — se eu o fosse, não teria nem respondido a um comentário anônimo que nada tinha a ver com o que eu havia postado. Espero que você não perca seu tempo me "honrando" com mais uma resposta.

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