segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Abismo de um sonho

Desde pequeno eu leio muito. Não que eu seja intelectual ou um grande pensador, mas sempre gostei de ler. Gibis, revistas, livros. Por isso, nada mais natural que me interessar também por escrever; e assim, tenho desde uma certa idade uma considerável produção literária: contos, novelas, esboços de peças, poemas, além de uma grande produção de crítica de cinema, textos sobre livros, quadrinhos, música, além de posts de blogs, comentários em fóruns etc. Ou seja, sempre escrevi. Sempre mesmo.

Mas dá de repente aquela vontade de voar mais alto, de ir um pouco além; então nasceu o desejo de ser publicado. Eu já havia pensado, anos atrás, em mandar uma coletânea de contos para uma editora, mas os prazos de resposta ou eram incertos ou eram muito extensos. Então fatalmente desistia. Até que pensei: "há anos pensava em mandar originais e o tempo de demora para ter alguma definição me angustiava; mas acabou que passou um tempo muito maior de lá para cá e eu continuo sem expectativa na vida ou na carreira, por que não tentar esse sonho?".

Aí nasceu o tal projeto de que falei. Trata-se de um pequeno romance, escrito no segundo semestre do ano passado. Não é mal escrito e nem propriamente ruim, apesar de obviamente não ser uma grande literatura; mas me empenhei e, com o tempo livre de que dispus (mesmo que aos pulos e aos trancos e barrancos, com muitas interrupções), concluí o livro no final de 2010 e neste começo de ano o revisei. Estou vendo como registrá-lo na Biblioteca Nacional e assim ficar seguro quanto a plágios e outros medos que assolam todos os autores, até os fracassados como eu. Mas isso é o de menos: a aventura começa agora.

Ou mais exatamente as desventuras. Publicar um livro, se você não tem nome, contatos, influências, "pistolão" ou uma inacreditável sorte é algo muito quimérico no Brasil. O mais provável é que as editoras para as quais eu enviar o romance joguem-no fora assim que puserem nele as mãos, o que é muito desolador mas nem tanto incompreensível: com milhares e milhares de livros sendo escritos e publicados, por que lançariam logo meu empreendimento tão humilde?

E o pior não é isso. O pior é que as grandes editoras, que têm alcance, são aquelas que por último se interessariam por uma publicação como a minha; elas querem lançar os medalhões, e nós neófitos ficamos atados e só podemos nos socorrer com as editoras independentes. Que são nobres em esforço e intenção, mas ineficazes no resultado; seus livros são impressos sob demanda, eles não mandam cópias para livrarias, a literatura que investe em selos assim infelizmente é a fadada ao perecimento, com um livro assim predestinado a virar um simples bibelô, algo que alguém imprime para "provar um ponto" ou se envaidecer, chegar com uma cópia para um conhecido um dia qualquer e dizer: "olha, eu já publiquei um livro, sabia?". Não, não há como ninguém saber. É desesperador lançar-se de cara numa empresa que virtualmente irá lhe custar a vida — ou a carreira que você ainda anseia seguir.

Mas e aí como fazer? Todas as portas estão fechadas para você e não há chave capaz de abri-las; investir com um machado pode dar a ilusão de que você passou daquela etapa, mas no final das contas você chegou ao fim do jogo na porta falsa: ela não existe, é um desenho pintado na parede.

Mas eu vou tentar, apesar de tudo. É uma aventura que não me trará nada de proveito, só vai me fazer perder dinheiro, saúde, ficar ansioso, nervoso, desgostoso. Mas já deixei há muito tempo de acreditar que as coisas irão se ajeitar por si só, que tudo vai dar certo no final e que nas linhas tortas meu nome vai ser escrito direito pelo tempo e destino. Não, não posso esperar ajuda de ninguém nessa hora. Só de mim. Seja o que for.

(Certos sonhos se não realizados viram obsessões. Ou, pior, frustrações.)

2 comentários:

  1. Conheço esse teu drama, Filipe. Antes, e pior, há um outro, o do êxito: 'é bom suficiente para publicar?'. Estou seguindo a risca aquilo que Mário de Andrade recomendou aos novatos: 'nunca publique algo antes dos 30'; entenda como idade mental. Junte essa insatisfação com desânimo generalizado frente a autores medíocres disponíveis tão-só pelo QI, poetas de verso fácil, patético, pasmacento, sujo de adjetivos, quando metrificado, insosso e preso, quando livre, despirocado e frívolo, quando sério, acadêmico, rijo, metafisicista.
    Dentro dessa vala dos aduladores, chego a perguntar, 'por que não tentar, já que tem tanto autor bosta por aí?'. Jogo sujo, e, bem, pas agréable mergulhar de cabeça nesse rio de merda.

    E tais as razões pelas quais nunca tentei publicar nada que escrevi, embora receba elogios até de 'pessoas do ramo'. Só quem escreve sabe quando e se está preparado, não é mesmo? E a literatura é (deveria ser) mais que qualquer egolatria. Quem não tem o que dizer deve, simples, calar-se. De que adianta falar, mesmo que certo, se nada adiciona? Rol dos papagaios malucos. O mestre-escola Horácio já dizia, abstém-se da culpa, mas não merece elogios.

    (Aliás - pas de nouvelles - a 'Arte Poética' AINDA é o texto pra qualquer um que anseia escrever; ler & reler)

    Desejo boa sorte nessa tua empreitada; estou certo que não vai se diminuir a nenhum 'estilo da casa' ou coisa do tipo. Tampouco te move o 'obscur désir' da vaidade.
    As palavras parecem vir de alguém que está pronto. Sintomático desesperar-se - e sintomático o cuidado para que o livro NÃO se torne um requinte pra estética do ego. Difícil atingir esse grau de maturidade: só se o atém quando temos noção de nossos limites.

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  2. Meus limites são, infelizmente, muito nítidos para mim. E por isso eu já asseguro a você, Guarni, sem falsa modéstia (até porque eu não tenho nem como ser modesto nesse caso), que o livro não é tão bem acabado quanto talvez possa parecer. Nesse ponto ele talvez se assemelhe um pouco ao que uma adolescente pensa, já que a protagonista do relato é uma adolescente (que inclusive narra a história), e se por um lado ela parece se expressar de maneira mais desiludida e firme que uma menina de seus quinze anos, por outro os conflitos e pensamentos dela, a meu ver, são típicos dessa fase de desencontros (que para mim sinto não ter ainda acabado).

    Eu quero publicar um livro há incontáveis anos, mas, relendo contos e novelas antigas minhas, percebi que mudaria tanta coisa, que com certeza não as quereria publicadas do jeito que estão. Faria como Lygia Fagundes Telles e descartaria novos relançamentos desses anos imaturos. Mas agora deu um estalar e eu fiz esse romancinho, que não é "grandes coisa" mas que tem elementos que me interessam em literatura, e no qual desenvolvi certos experimentos que também me agradariam se eu fosse leitor. Mas o "récit" (já que você gosta dos termos franceses, hehe) ficou bem chatinho e maçante. Não é um trabalho mal escrito, ruim ou mal estruturado, mas é bem... tedioso. E o meu mal é esse, e meu medo é que isso afaste todo mundo da obra (inclusive os editores!). Mas tem que se arriscar às vezes, né? E lá vou eu sem muita convicção para o combate...

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