quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Rocinante

Há cerca de três semanas resolvi perder um medo antigo e ler de uma vez por todas o Don Quijote (ou Dom Quixote) de Cervantes. O livro sempre me pareceu ser ótimo, todos comentam maravilhas dele e é considerado por todo mundo uma das melhores ficções já escritas; mas minha preguiça se devia a um problema antigo meu: sou MUITO lerdo para ler. O Quijote tem mais de um milhar de páginas, e isso me parecia muito desanimador. Mas aí tomei como resolução para o ano novo ler algumas pendências antigas acumuladas há anos. A edição do Quijote que estou lendo, a ganhei do meu pai em 2007. E vou falar: que livro MARAVILHOSO! Em todos os sentidos.

Primeiramente eu vou destacar a beleza do livro da Alfaguara, a edição em homenagem ao quatrocentenário da primeira parte do livro; além de um acabamento editorial perfeito, a edição tem mil apêndices, as portadas originais, explicações detalhadas sobre os arcaísmos da obra, um glossário extremamente completo e útil, mais o texto integral em espanhol com apontamentos que esclarecem, solidificam o entendimento e aguçam a curiosidade, aumentam a vontade de contextualizar o processo de escrita de Cervantes, suas fontes, influências, deixam claro as piadinhas de gramática, os erros (deliberados ou não) cometidos pelas personagens, as sutilezas empregadas na construção das frases, e tudo isso sem parecer intelectualóide, pedante, acadêmico (naqueles sentidos ruins), dando novos sentidos à compreensão do texto, auxiliando na busca por uma experiência completa de leitura. Vou dar um exemplo: no começo da obra, Cervantes descreve com muito detalhamento as roupas e modo de vida do nosso célebre fidalgo, e é preciso peneirar essas citações para entender como era absurdo para alguém JÁ NAQUELA ÉPOCA se deparar com o projeto de cavaleiro que era Don Quijote, que já usava roupas foras de época mesmo naquele início do século XVII, que tinha costumes assombrosos que já eram desconhecidos daquela geração etc.; sem essa ajuda, o leitor não se daria conta do IMENSO estranhamento das personagens ao encontrarem o fidalgo, e por que ele parecia sempre tão absurdamente deslocado e ultrapassado e ridículo.

Comecei falando da edição e já pulei para a história, não tem jeito; ela é tão lindamente narrada que eu, na minha proverbial vagareza, já devorei quase trezentas páginas e estou entrando na quarta e última parte do primeiro livro. Don Quijote e Sancho Panza são duas criações magníficas, donos de idiossincrasias e profundidades inigualáveis, funcionando por diversos movimentos que os fazem ser arquetípicos em praticamente todas as frontes: no idealismo, na amizade, na confiança, na ingenuidade, na iconoclastia fantasiosa, no valor, que, afinal, os dois possuíam e possuem, pois não morrerão jamais, vivendo com muita justiça a fama de serem dois dos mais famosos tipos da literatura em todos os tempos.

Por preconceitos infundados, imaginamos que, por tantas e tantas adaptações e referências, histórias clássicas assim já não possuem interesse ou nada de novo têm a nos mostrar; esse é o engano mais estúpido em que podemos incorrer, pelo menos em casos como o do Quijote cervantino, obra magnífica, estupenda, delirante, majestosa e que em todos os episódios e páginas merece o rol de elogios que o sonhador fidalgo consagra sempre à sua imagem de donzela, a Dulcinea que em verdade é Aldonza.

7 comentários:

  1. http://talktohimselfshow.zip.net/images/mommysboys033.jpg

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  2. E depois não deixe de ler a biografia do Cervantes escrita pelo Arrabal.

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  3. Hahaha, essa tira do Sieber tinha caído no spam, e eu a li no Folhateen segunda, demais. Fazia tempo que ele devia uma engraçada assim.

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  4. O título da biografia é Um Escravo Chamado Cervantes. Foi editado pela Record e custa caro, mas por um milagre achei um lacrado por oito reais na Estante Virtual. Eu não li inteiro, apenas dei uma folheada e vi alguns capítulos. Eu comprei porque pretendia fazer um trabalho sobre Quixote e Cervantes em História Ibérica, mas eu estava sobrecarregado, acabei escolhendo um outro tema mais fácil e no final das contas terminei não lendo os livros (incluindo aí o Quixote, que nunca li).

    Mas eu tenho certeza que você ia gostar do livro, não é uma biografia convencional. Ele é escrito como se fosse um romance do século XVII, com uma linguagem propositalmente arcaica, e explora vários fatos bizarros da vida do Cervantes. O ponto de partida é uma condenação que ele sofreu por homossexualismo, segundo a qual ele deveria ter a mão direita amputada (o que impossibilitaria sua escrita) e sua posterior fuga...

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  5. Eu tenho esses preconceitos, então, obrigada por esse post. Vou comprar os livros.

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  6. Salomão, no Estante Virtual eu chequei e tem edições desse livro por preços bem consideráveis, tipo 15 reais. Eu vou antes procurar nos sebos "fisicamente", e, se for o caso, me voltarei para o Estante. De qualquer modo, parece muito bom mesmo. Será que se acha em espanhol nas Livrarias Cultura da vida? Capaz de ser até mais barato. Você leu aquele outro livro do Arrabal que estava em promoção na Nobel? Eu comprei mas ainda não li um parágrafo.

    Suelen, sim, corra atrás! E, se possível, dessa edição da Alfaguara, capa dura, tamanho normal (não é um livro grande em tamanho, mas em grossura), e acho que é baratinha, uns 30 reais.

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