terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Bebebê

Eu não sou uma pessoa sociável. Nunca tive muitos amigos, não tenho o "perfil" de alguém popular, que sempre é chamado para eventos, festas, encontros. E até entendo de certa maneira por que as pessoas se fecham, não querem mais conviver tanto com os outros, querem liberdade e solidão na medida planejada por elas. Mas nada disso me faz compreender um fenômeno que não dá mostras de se enfraquecer: o Big Brother.

O BBB, como é chamado aqui, atrai pessoas de todos os níveis, culturas, regiões. A despeito de uma fase de "testes", hoje ele já possui um respaldo (se não explicito, tácito e conivente) de celebridades influentes e de pessoas de boa "instrução". Um programa que seria unanimemente achincalhado anos atrás hoje possui uma sombra de intelectualidade brejeira que o consagra como estudo antropológico de tipos e como uma vertente do exibicionismo que hoje é o prato do dia como discussão do alcance da mídia, por exemplo. Mas mesmo assim, não consigo entender a razão desse sucesso.

Porque o mesmo tipo de gente que ignora solenemente todas as pessoas na rua, todos os conhecidos e parentes e amigos, fica grudada na televisão para conferir a pasmaceira de um tédio avassalador formado por pessoas que se comunicam como primatas e que em teoria são tão interessantes de se observar quanto capim que cresce na grama.

Não se trata do policiamento do "conteúdo". Essa palavrinha entre aspas é perigosa porque remete a dogmas e convenções, e não é disso que eu falo. Acontece que é para mim inexplicável observar uma filmagem mambembe de meia dúzia de pessoas conversando as maiores imbecilidades jogadas numa piscina, ou sentadas num quarto, ou perto de um churrasco. O que isso representa? Não sei. Qual a atração disso? Não imagino. Não sei por que esse jogo seria mais interessante que perceber as conversas de ponto de ônibus, se é a "real life" que seus espectadores esperam.

Se visto pelo viés antropológico, o BBB despertaria algum interesse, se. Se? Se não fosse armado, encenado, montado. Ora, aí paradoxalmente morre a "real life". Se é tudo fingido, pensado e atuado, onde está a realidade? E aí qual é a justificativa para acompanhar as besteiras dos participantes, se eles na verdade não sentem aquilo e são só mentiras para se sair bem no jogo e na câmera? De novo, os espectadores do BBB querem teatro? Mas então por que não se interessam por essas interpretações em outros níveis menos grotescos e estúpidos?

Chegamos às "gostosas". Já é muito questionável chamar de gostosas mulheres musculosas que possuem rigidez eqüina em suas coxas e glúteos, e mais bíceps e tríceps que qualquer herói mitológico; mas se todas as participantes já se exibiam em vídeos e revistas masculinas, em sites e em outras publicações, também não se pode compreender o interesse em vê-las transitando por entre os cômodos de uma casa à espera de um momento de flagra indiscreto, rastro da intimidade tão ansiada por parte dos espectadores.

Acho que a única explicação que consigo vislumbrar para esse deprimente fenômeno é que o BBB é algo na moda, para discutir no bar, na faculdade, na escola e no trabalho, e simplesmente ver algo tão abjeto assim é um exercício para fomentar conversas bobas e ocupar um tempo de ócio que poderia ser usado para mil coisas mais interessantes. De qualquer maneira, acho um programa e uma tendência horrorosos.

O que é verdadeiramente lamentável é que a Cultura, o único canal de boa programação na televisão aberta, agoniza pelas sevícias recebidas do governo, de sua própria administração e também do público, esse mesmo público que diz reclamar da péssima qualidade das atrações televisivas mas que não desgruda de seu BBB diário — eles fazem que nem os participantes do BBB, pretendendo sentimento onde só existe descaso.

5 comentários:

  1. Ninguém come travesti, mas tem um a cada esquina. Com BBB é a mesma coisa, todo mundo "odeia" esse programa de "baixo nível", mas essa porra já tá na décima primeira edição.

    Claro que não é o seu caso, mas é que me irrita a hipocrisia de certas pessoas. Elas fazem o maior discursinho e depois dizem que assistem o programa sim, mas "só porque não tinha nada melhor pra fazer na hora". COMO ASSIM, CARALHO?

    Eu também acho um lixo indescritível, e olha que sou um voyeur assumido. Adoraria morar numa área cheia de prédios, ter uma luneta fodona como a do James Stewart e espionar a vizinhança toda. Mas nem pra isso esse programa serve. É tudo fake demais, e a Globo parece escolher as pessoas mais desinteressantes do universo para participar daquilo.

    E se o Arrabal da Nobel for A Torre Ferida por um Raio eu já li sim, e é DIVERSÃO TOTAL, recomendadíssimo. Quanto à bio do Cervantes, tem uma edição espanhola de luxo na biblioteca da USP, se vc quiser posso tentar xerocar. Na Cultura provavelmente também tem o original...

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  2. Sim, é absurda essa desculpa do "não ter nada melhor". Um milhão de coisas para se fazer, livros para ler, discos, filmes, lugares para conhecer, ou mesmo dormir, escrever, desenhar, pintar, arrumar a casa, adiantar trabalho etc. Não tem isso. Mas sabe o que é ainda mais degradante? É que a turma DESSA desculpa anda sumida, agora é isso que eu disse do intelectualismo de boteco, tipo aqueles caras que fazem teses de doutorado sobre as novelas toscas da Globo e vão por aí pregando que é literatura de alto nível e representação popular.

    E sim, você disse tudo: cena fake e gente desinteressante. Eu não reclamo propriamente pelo aspecto "bagaceiro" da coisa, mas pela total falta de atratividade: é muito chato e idiota.

    E não nos esqueçamos do pessoal que odeia filmes "parados", em que "não acontece nada" ou que "não tem história" e que dão ibope a um programa que é EXATAMENTE assim, só que tecnicamente podre.

    E é esse do Arrabal, também tenho. O outro eu vou procurar, xerox em último caso (mas obrigado).

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  3. Esticões aforismáticos:

    I. De novela pro BBB, a diferença é meramente quantitativa. E vetorial.

    II. O BBB é um formigueiro humano-televisivo.

    III. Boa parte das pessoas têm preguiça de pensar desde os anos 60. Déconstruisons.

    IV. No caso do Brasil, boa parte das pessoas têm preguiça de pensar desde sempre; isso segundo o Sérgio Buarque. Doravante, talvez seja 'pedir demais' que aquele que aprecia a 'teatralidade' do BBB também aprecie - sequer procure - peças de Tchekov e Bernard Shaw.

    V. Ambas as coisas estão estritamente relacionadas, a meu ver - o endurecimento solene da vida real e o interesse pela vida virtual; e, pior, pela vida dos outros. É possível imaginar o apelo emocional - intelectual não há nenhum - do Big Brother. Quem não tem capacidade de viver a própria vida, vive a dos outros. Talvez seja um mecanismo de compensação, a sensação de prazer que alguns sentem ao chocar sua mediocridade com pessoas ainda mais medíocres. Asqueroso, de fato; e assim sendo, o BBB é exemplo perfeito de que a mídia consegue empurrar qualquer prato de bosta pra população. E aquele Hipertensão do pessoal comendo merda pra ganhar dinheiro?
    Dos intelectuais de boteco que pretendem o BBB ser um estudo antropológico, devem encarar o programa como o vomitorium onde se alivia a indigestão dos estudos mais sérios. Nada mais que idiotas. E se ator da globo dá respaldo, todos sabemos que os atores da globo são idiotas.

    VI. Vivre ses vies, donc.

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  4. O problema é escolher vidas bestas para substituir sua vida vazia.

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  5. Infelizmente, este pretenso programa, espelha a realidade da cultura da maioria, quantos você acredita leem um bom livro ou mesmo uma HQ, ou quem sabe "perde Tempo" ouvindo boa música. Somos uma joia rara perdida na imensidão da pasmaceira.

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