sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Tilt

Não saber o que fazer é uma das piores sensações que existem. Não é à toa que Hamlet há séculos impressiona as pessoas: os dilemas são muitos e não há como resolver a tudo. Eu estou em um, também.

Quando somos pequenos, a indefinição sobre o que queremos da vida é até graciosa: "quero ser astronauta", "vou ser modelo", tudo é motivo de riso e enternecimento. Mas quando se chega na minha idade e é preciso se sustentar, essas dúvidas são a pior chaga que se pode ter.

Não saber o que fazer é uma coisa tão feia e atroz que não só é insuportável tentar fazer aquilo que você despreza ou para que não tem o menor dom, capacidade ou habilidade, como também é... impossível. Chega um ponto em que você deseja tentar se burocratizar ao ponto de virar um robô, braço mecânico sem emoções designado para o desempenho de determinada tarefa; só que você está enferrujado, e não encontra o óleo adequado para se movimentar. Você é um monte de ferro-velho.

Aí você tenta se encaixar, e percebe que tanto pior é sua falta de perspectiva porque você não tem com quem dividir essa jornada. Amigos? Nenhum de verdade; colegas e conversas esporádicas, mas nenhum afeto real e imprescindível, ninguém precisa de você. Família? Zombam de suas fragilidades, pois ela que as construiu em sua maior porção. Companhia? Inexiste, pois é impossível gostar de alguém que não se encontra. O desencontro dita as regras, e se você quer sair desse mar, não adianta procurar uma saída por baixo, o afogamento só se torna mais presente — e você está azul atrás da luz solar que já está tão longe quanto seus ideais.

Ideais que você também não tem, pois se fosse forte o suficiente entenderia que é preciso se metamorfosear para escapar dos predadores; e você, bicho ignorante e imprestável, não muda sua cara porque não tem outro avatar, ficaria um rosto de vazio que também não lhe serviria para nada.

E quando você se anima um pouco para sorrir pelo menos de sua desgraçada sorte, aparece aquela pessoa que mina suas quase nulas forças com frases como "é preciso correr atrás" ou "você está reclamando de barriga cheia".

A vida é cheia desses vazios.

5 comentários:

  1. vc descreveu bem meu estado atual. te entendo, chamy...

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  2. Muito bom o seu texto!! Até que me senti bem, porque vi que não é só eu que estou sem prespectiva nenhuma.
    Ufa, não estou sozinha!
    "Rita" De Sica

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  3. Que surpresa você aqui, Rita!

    Mas é o que eu te falava na UniPresbi: todo mundo parecia já encaminhado, ou pelo menos com certas idéias e tendências, e eu não faço a menor idéia do que fazer, e o que querem que eu faça eu não consigo por mais que me esforce, ou então detesto de uma tal maneira que não consigo atinar com a perspectiva de ter que fazer isso pra sobreviver...

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  4. Sempre lembro de Shakespeare nesses momentos,

    "In sleep a king, but waking no such matter."

    Por definição a vida real é um saco, ainda mais nesse "sistema" no qual nascemos, onde a aparência sobrepõe a essência e o dinheiro (= sucesso profissional) fala mais alto que qualquer argumento inteligente. Mas essa mesma vida ainda é o único lugar onde podemos assistir aos filmes dos irmãos Marx.
    E desemprego é um problema do qual também sofro...

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  5. Sim, irmãos Marx fazem a vida "worth living"!

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