segunda-feira, 9 de maio de 2011

Encantamento

Temos por "mágico" tudo aquilo que não tem explicação clara, científica ou racional. Mas eu acho que há magia em tudo, todos os dias, e não percebemos nem nos damos conta. Muitas vezes, saber a origem de determinado fato não basta para me fazer crer que aquilo seja vulgar.

Televisão, por exemplo. Todos os dias temos transmissões em tempo real, eventos mil e qualquer outro tipo de programação. Mas não é mágico capturar instantes das vidas das pessoas e eternizá-los? Não é mágico ligar um aparelho em sua casa e ver imagens de situações que estão ocorrendo naquele mesmo instante em um outro lugar do mundo? Não é mágico, enfim, transmitir imagens e sons e cores por todo o planeta? Sei que para tudo há explicações físicas, químicas, matemáticas, mas por que deixar de se admirar?

As coincidências também não deixam de ser apenas, bem, coincidências. Mas eu gosto de contar o que aconteceu quando fui comprar a edição em inglês de Fahrenheit 451 (que será uma de minhas próximas leituras): eu já tinha a tradução brasileira, mas queria ler no original, e, mesmo o livro de bolso sendo relativamente barato, fiquei hesitante um bom tempo, me sentindo culpado por jogar dinheiro fora, aqueles arrependimentos do consumo que nos fazem suar por agonias bobas relacionadas ao vil metal, espaço físico em casa e outras mundanidades. Então, após minutos de compro-não-compro, pego o livro, vou ao caixa, pago e vou embora nada satisfeito. Mas, ao sair da livraria para a rua, deparo-me com uma loja chamada... MONTAG! Que é justamente o nome do protagonista de Fahrenheit 451. Fiquei feliz com a aquisição.

Sei que é uma coincidência compreensível: a loja sempre esteve lá, aparentemente é uma marca famosa (eu não conhecia), e não foi um acontecimento extraordinário eu comprar um livro que deu origem a um filme de François Truffaut, pois não é de hoje que o admiro e busco suas fontes; também gosto de Bradbury, tendo me impressionado muito com seus quadrinhos de horror.

No entanto, não é impressionante quando todos os fatores se juntam para um determinado efeito de impacto? Quero dizer, não é incrível quando coincidências ocorrem? Então por que tirar seu mérito afirmando: "isso pode ser explicado"? Sim, claro que pode, Holmes já disse que "todos os problemas se tornam infantis depois de explicados". Mas haverá menos fascínio quando você conhece a causa do assombro?

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O limbo

Há uma pedra, redonda, que rola para lá e para cá ao sabor das circunstâncias: ela se move por força do vento, pela conformação do solo, por inércia. Essa pedra é qualquer um. Há uma pedra, redonda, que poderia rolar para lá e para cá ao sabor das circunstâncias: não há vento, o solo é plano e ela é inerte em sua estagnação. Essa pedra sou eu.

Já falei aqui que tenho problemas com coisas óbvias a todos, e talvez seja essa a razão de ser pedra parada. É como se eu vivesse em uma outra dimensão em que nenhuma força pode me mover, como se eu não tivesse ligação nos nervos para correr e não tivesse qualquer atividade cerebral, cérebro pulsando, coração batendo. É aquilo de "existir, mas não viver".

Não sei dizer o que ocasiona aos outros as oportunidades que nunca me sorriem: iniciativa, sorte, acaso. Só sei que para os outros as coisas a meu ver são mais fáceis, mais propícias, mais nítidos os caminhos por que devem seguir, o que devem fazer, como agir.

Talvez eu reclame demais, talvez não (afinal, as coisas se passam comigo e só a mim sei quanto afetam), mas parece-me que é como se Cupido me flechasse com setas sem ponta, Minerva me desse apenas a ilusão de sabedoria e Vulcano me dissesse: "trabalhe, e trabalhe duro", mas sem me dar qualquer ferramenta para exercer ofício que seja. E enquanto eu não tenho nada a IMPEDIR a plena manifestação de meus poderes, nada tenho para DESENVOLVÊ-LOS, e noto-me sozinho numa ilha que até Júpiter esqueceu de castigar com seus raios prepotentes.

De vez em quando é bom saber que te enxergam.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Substituições

Após cerca de uma dezena de anos comprando e colecionando centenas de DVDs, agora o Blu Ray parece ter se instalado de vez. Vejo muita gente substituindo seus filmes, comprando as tais "ultimate editions", gastando um grande dinheiro e tempo em juntar Blu Rays de seus filmes favoritos, os mesmos que já se tinha em DVD.

A mim, isso não traz outra coisa que preguiça. Ao invés de me coçar para querer substituir tudo, essa febre teve efeito contrário: meu consumismo encontra-se moribundo, e quase não tenho vontade nenhuma de comprar mais nada nesse novo formato (e nem no anterior). Pelo menos não enquanto não acabar de ver todos os DVDs que tenho encalhados, ou enquanto os Blu Rays não baixam de preço, ou enquanto isso não tiver mais importância para mim.

Porque no final das contas essa cultura de substituição só mostra como tudo isso é dispensável. Assim como o VHS foi substituído pelo DVD, o DVD vem sendo recolhido pelo Blu Ray, e o Blu Ray daqui a poucos anos será trocado por outra mídia. Isso me cansa, essa necessidade de se atualizar em tão pouco tempo. Mais uma vez esbarro no velho conflito truffautniano do provisório versus o definitivo. E já sabemos quem costuma ganhar esse embate.

Também é sintomática a migração massiva do Orkut para o Facebook, e novamente em mim isso tem efeito diverso ao esperado: não quero mudar minhas fotos, trocar de "plataforma" ou construir outro perfil virtual; simplesmente canso e passo a usar essas redes com bem mais contenção. Daqui a um tempo, quem sabe eu não consiga uma vida real que faça minha vida virtual ser apenas um acessório extremamente fútil?

Isso serve para mostrar à minha geração a falência desse estilo de vida. No final das contas, crescemos e nos desligamos de tudo isso: arranjamos empregos, namoradas, responsabilidades e deixamos de lado o que achamos que era importante no computador, na internet, nas redes. Agora valorizamos mais estar com os amigos, sair ou fazer outras atividades, e todo o nosso compartilhamento virtual se resume agora a informações telegráficas ou piadas ligeiras. Acabou o entrosamento, o debate e a relevância de tudo isso. Muita internet serviu para nos mostrar que precisamos de menos internet. A invasão já foi muita, e agora nossa intimidade deseja privacidade. De novo, até outra coisa alterar isso, e outra coisa depois.

É melancólico constatar em históricos de MSN como mudamos, como as coisas deixam de ter importância e como tudo muda rápido: em um período de cerca de cinco anos, deixamos de falar com quem falávamos muito, não nos influenciamos mais tanto pelo gosto e opinião alheios, não queremos mais impressionar ou formar uma existência digna fora de nossa realidade física. Agora a internet é coisa de momento, como o era quando surgiu. O Blu Ray é assim também. E tanta tecnologia nos indica que não necessitamos dela. É uma contradição que se faz cada vez mais presente.

Acabamos voltando às velhas formas: com tanta modernização forçada e passageira, a melhor opção é pegar um livro, sentar-se e ler.