segunda-feira, 8 de março de 2010

Cálice

Não sei qual a melhor coisa que fiz na vida, mas a pior eu digo na hora: entrar na faculdade. Não sei se foi pelo curso ou pela faculdade (provavelmente pelos dois), mas sem sombra de dúvidas foram os piores anos da minha vida até agora.

O que para muita gente é motivo de alegria e de orgulho para mim foi um mar de solidão, tristeza, agonia, desespero, chateação, problemas de saúde, oportunidades perdidas, efeitos colaterais negativos.

Não sei se foi por ter entrado "na inércia" em um curso com o qual não tenho a menor afinidade e com a projeção de uma profissão para a qual não tenho uma mínima vocação; acho que não. Consolo-me às vezes pensando que não poderia ser de outro jeito: aos dezessete anos somos empurrados para uma escolha definitiva, "o tempo é agora e você deve escolher"; acontece que além de não termos qualquer tipo de noção do que nos espera, existem pessoas que parecem não conseguir se encaixar em nada. Eu penso ser uma delas. Não tenho talento para cálculos, não sou uma pessoa prática e não tenho boa memória.

Eu faço faculdade de direito e não tenho qualquer motivação; não gosto de códigos, livros de doutrina jurídica, dificilmente pesquiso leis e qualquer outra coisa relacionada a essa área. Mas que poderia eu fazer da vida? No momento da escolha do vestibular eu provavelmente já intuía essa falta de opção — que depois mostrar-se-ia um fato — e comecei meu sistema, utilizado mais ou menos do modo original até hoje, de "ser levado". Sou levado pelas circunstâncias, pelos momentos, meus dias não são mais que o intervalo entre um aborrecimento e outro. Deve ser por isso que gosto tanto de ler, que necessito ver filmes, ouvir música, respirar arte mesmo que à custa de um tempo que acreditam que eu desperdiço: a minha vida é o que não é a minha vida.

Hoje tive uma aula que é virtualmente a pior da semana e que me deixa muito mal sempre: meu estômago dói, abaixo a cabeça (que me pesa horrores nessas horas) porque a professora gosta de humilhar alunos com perguntas específicas para as quais eu evidentemente não tenho resposta alguma — porque é meu direito não saber a matéria e também não me interessar, mas não é direito dela me humilhar e explorar minha ignorância na frente de todos (e a quem reclamar?) —, fico até com o pescoço doendo; um sono terrível, uma morosidade inacreditável, uma falta de ânimo que se reflete na destruição da legibilidade da minha caligrafia, que faz meu caderno parecer uma partitura de sinfonia escrita por um macaco.

No final das contas, essas oportunidades servem para me trazer de volta à realidade. Meu mundo não são filmes franceses, garotas de saia que falam do amor, mas o mundo da incompreensão, do aluno ao lado rindo de uma piada jurídica que eu não entendi — e que se entendesse continuaria sem rir —, da professora cercando estudantes como um pequeno ditador de uma ilhota de bananais, dos familiares se irritando quando reclamo ("você cospe no prato em que come", "você não valoriza o esforço do seu pai", "você precisa botar os pés no chão"), dos colegas que nunca serão meus amigos, de gente que não entende o que faço lá — como de resto nem eu entendo —, da apatia ante o futuro nada brilhante que me espera, da saudade idealizada da minha infância tão querida.

O único direito do curso de direito é o direito de ficar calado.

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