quinta-feira, 1 de abril de 2010

Harmonia

Eu tenho uma relação bastante forte com as músicas que gosto. Dificilmente ouço algo por ouvir, uma vez apenas, tampouco escuto inúmeros artistas; a maior parte dos meus discos (inclusive os baixados) eu ouvi dezenas de vezes, e no caso de discografias eu ouvi e ouvi e ouvi as mesmas músicas até "assimilar" os sons e passar a outras coisas e ir conhecendo os álbuns em sua íntegra. Talvez por isso a impressão que as músicas guardam em mim é muito forte. Quando ouço uma música de que gosto muito isso significa também transportar-me à época em que a ouvi bastante até me acostumar, em que seu som me intrigava o suficiente para seu lugar na minha memória ficar singularmente marcado — mais do que acontece com os filmes, livros e quadrinhos que consumo.

Em meados do ano passado ouvi quase em seqüência ininterrupta os doze discos de estúdio (e algum material ao vivo) de uma das minhas bandas favoritas, Gentle Giant; quando ouço a lindíssima Just the same eu me sinto de volta à auto-escola, sentado na sala perto da minha irmã, com um monte de gente que nunca mais vi, esperando a aula começar, por volta das sete da manhã, ouvindo música no celular (que quebrou e não executa mais mp3):



Quando ouço as canções da minha banda favorita of all time, Led Zeppelin, sinto-me de volta ao Ensino Médio, aquela tensão do vestibular, as provas que se sucediam interminavelmente, as matérias que eu nunca pude compreender, as conversas do intervalo, as risadas com colegas zombando dos professores, caricaturando todo mundo, a época em que aprendi a ouvir música de verdade e lia sempre ainda, vivendo um pouco mais alegre que hoje:



AC/DC é sempre uma diversão e um prazer, e eu me recordo de ter gravado vários discos no celular e ouvido faixa por faixa na época que coincidiu mais ou menos com o meu trabalho num Juizado Especial até meados do ano passado; andar de metrô e ônibus, levando sempre um livro (García Márquez, Lygia Fagundes Telles, Jorge Amado, Guimarães Rosa...), os papos descontraídos com o pessoal do trabalho, o povo irritante que eu atendia, o cansaço do final do dia, o suor na roupa social:



Sá, Rodrix e Guarabyra me lembra a minha escola; não os anos mais felizes da minha vida, mas a festa junina do ano passado, novamente ouvindo no celular as músicas enquanto passeava pelas barracas, via a alegria das crianças correndo na pressa de suas infâncias, o Zé Rodrix havia morrido há pouco e eu finalmente conhecia suas brilhantes composições (domingo vou num show do Sá e Guarabyra!):



Shostakovich é um dos compositores constantes na trilha de Fantasia 2000, um dos primeiros CDs que comprei (provavelmente o primeiro relevante), meus primórdios de admirador de música, quando tive consciência de que cada nota tem importância, cada ligação e pausa faz sentido em uma estrutura musical; talvez a música seja muito narrativa se você viu o desenho, mas continuo achando-a de uma beleza impressionante e ela me transporta para a época em que eu não tinha nenhum "pensamento pessimista" (como os chama minha mãe) e ouvia Chopin acima de tudo:



Naturalmente não vou me estender sobre os motivos que me fazem amar e carregar comigo cada uma das milhares de músicas que amo e que são ou foram importantes para mim. Este post é só para eu me lembrar que é impossível esquecer.

18 comentários:

  1. Sá, Rodrix e Guarabyra faz parte da minha vida.
    Desenhos no Jornal me lembra um bom ex-namorado que eu tive. E meu pai cantando no carro Cumpadre meu e Zepelim enquanto íamos passar as férias no interior de São Paulo é uma das melhores lembranças que tenho da minha infância.

    Eu associo muito músicas a momentos que vivi/vivo. Dá uma nostalgia gostosa quando você ouve certo álbum e já o relaciona a uma época específica da sua vida... é muito bom.

    E bom show!!

    ResponderExcluir
  2. Obrigado!

    Mas na verdade nem sempre essa nostalgia é boa. Eu me lembro de uma vez, creio que em 1998 ou 1999, em que eu estava pesquisando na internet sites sobre um escritor que me interessava muito, Oscar Wilde; era a época daquela explosão de sites amadores (eu tive um por vários anos, sobre Jules Verne, surpreendentemente bastante visitado e elogiado), e eu encontrei um site sobre o Wilde do hpG (o "saudoso" hpG). Pois bem, na página inicial tocava uma baladinha melancólica em midi. Acontece que em outra janela eu estava vendo aquelas coisas de mensagens subliminares, talvez pela primeira vez. Fiquei muito assustado, aquilo me impressionou muito; mas o resultado foi que eu não conseguia mais entrar no site do Wilde sem sentir toda vez um receio ridículo e desagradável, pois aquela música me associava todo o satanismo perigoso alegado por aqueles senhores que divulgam bonsamaritanamente as mensagens subliminares... Hoje eu sei ver o que é má-fé e o que é palhaçada nesse tipo de estudo, mas essa experiência ficou.

    E não podemos esquecer, claro, de Laranja mecânica, com Alex de Large e a quinta sinfonia de Beethoven.

    ResponderExcluir
  3. Mas mesmo não sendo uma lembrança boa, não deixa de ser interessante! Sentir medo também faz parte. Até hoje não consigo ouvir as falas que dão incio a "The number of the Beast", do Iron, porque quando eu era pequena meu irmão mais velho me deu um baita susto com ela. Hoje eu lembro e rio, mas ainda não consigo ouvir a música(e o fato d'eu não gostar da banda também contribui muito pra isso).

    Nada a ver com o post, mas outra mania que eu tenho com música é não deixar ela virar uma simples trilha sonora. Não consigo baixar um disco qualquer e ouvi-lo somente enquanto estou no PC, ou no MP3 enquanto vou pro trabalho/faculdade. Eu preciso parar e escutar mesmo, prestar atenção nas melodias, nos tons das vozes, nos instrumentais etc.
    É um verdadeiro ritual, mas eu tento mantê-lo segui-lo a risca.

    ResponderExcluir
  4. Também não gosto do Iron, mas nunca tive interesse em ouvir de verdade.

    Esse ritual é interessante. Eu tenho manias esquisitas também; por exemplo, eu acho que tratar música (ou arte, de maneira geral) como simples hobby é maltratá-la: "esta eu vou ouvir quando estiver de fossa", "essa eu vou ouvir na balada" etc. Só para as coisas "não sérias", para "desestressar". E onde está Vivaldi na hora do estudo, Clara Nunes de madrugada, Zappa nota por nota na sua cabeça quando você vê aquela pessoa detestável falar e não quer ouvir uma sílaba pronunciada por ela? Parece meio visceral, mas no final das contas eu não acredito em separar as coisas tão rigidamente na vida: trabalho pra trabalhar, estudo pra estudar, música pra ocupar tempos de desocupação. Arte me ajuda a viver, sempre preciso dela.

    Sobre a sua "mania", eu concordo, acho; por isso disse que tenho dificuldade em assimilar sons. Não consigo ouvir no metrô uma música no player de mp3 e depois já fazer um juízo sobre ela, pular para outras coisas. Para mim é o mesmo que achar que se conhece um livro após ver a sinopse. Cada linha, cada parágrafo é importante. Por isso ouço as mesmas músicas várias vezes até me dignar a falar o que achei, ou considerá-la importante para mim. Ouvir uma vez para mim é nada. Deve ser por isso que eu demoro muito para conhecer artistas e álbuns, e nunca me pegarão ouvindo essas trocentas bandas que surgem todos os dias.

    ResponderExcluir
  5. Bom show de Sá & Guarabyra para você no domingo!

    ResponderExcluir
  6. Não consigo tratar músicas, livros ou filmes como válvula de escape. Sempre penso que o autor/diretor/cantor entregou a alma naquele trabalho (principalmente na literatura) ver isso como simples entretenimento, ou só pra "esquecer as mazelas da vida" é desmerecer seu trabalho.

    E gostei bastante do Gentle Giant, não conhecia.

    ResponderExcluir
  7. Não sei se eu que te passei essa impressão de usar arte como válvula de escape, mas não sinto a coisa dessa maneira: para mim a arte ajuda a viver, eu necessito dela para poder funcionar e acordar todo dia e pensar que a vida vale a pena.

    E Gentle Giant é uma banda sensacional, ao vivo então nem se fala; no YouTube eu revi esta semana inúmeras apresentações magníficas de shows deles.

    ResponderExcluir
  8. Não, você não me passou essa impressão. Comentei isso justamente por pensar da mesma forma, acho que não soube me expressar direito, hehehe.

    É como disse lá em cima, não consigo ouvir música por ouvir, só como trilha sonora, preciso de muito tempo pra curtir um álbum. Acho que por isso não ando escutando muito os lançamentos dos últimos anos. Tem tanta coisa boa lá atrás que eu preciso descobrir.

    Legal mesmo Gentle Giant, tem uns compassos diferentes, umas mudanças bruscas, fora a performance do pessoal, vou atrás de mais! Obrigada pela dica sem querer.

    ResponderExcluir
  9. Eu também conheci Gentle Giant por um vídeo do YouTube! Acho que era Proclamation a música, achei incrível mas só depois de meses resolvi baixar os discos (nenhum foi lançado no Brasil, acho). Já ouviu On reflection? Eu "reouvi" ontem e fiquei impressionado, eles usam violino, xilofone, contraponto vocal, várias coisas absurdas. E não é "apenas" rock progressivo, mas música verdadeiramente inspiradora!

    E eu sou outro que demoro séculos para mudar de era; nem ouvi quase nada dos Rolling Stones e vou direto pra bandas de garagem paulistanas dos anos 2000? Não, comigo as coisas levam tempo...

    ResponderExcluir
  10. Gentle Giant se perdeu no meio do caminho. Os três primeiros álbuns são muito bons, mas depois...

    Bom. Música popular, né. Ainda bem que você se safou com o Shostakovich que, ao lado de Ravel, Stravinsky e Villa-Lobos, é um dos grandes sopros criativos do século passado.

    E a arte inventa a vida, porque a vida não dá conta do recado.

    greets

    ResponderExcluir
  11. Acho que eles mantêm o nível quase sempre, sendo Civilian a pior exceção.

    ResponderExcluir
  12. Led Zeppelin me lembra o quanto eu já assisti aquele DVD duplo. E o quanto eu já imitei o Robert Plant em How Many More Times (no Danmarks Radio), e como isso sempre acaba me animando...

    E meu irmão costuma me chamar de Plant por causa do cabelo (e ele nunca viu minhas imitações, nem ele e nem ninguém).

    ResponderExcluir
  13. Sim! Uum trilhão de vezes vendo o DVD sem nome; e lembrando de cada pose do Plant, e eu não consigo mais cantar sem fazer aqueles movimentos dele com o braço, meio que ajeitando cachos de vento no ar, queria tanto um bracelete daqueles!... DVD de música mais perfeito do mundo.

    ResponderExcluir
  14. Eu tenho meus próprios cachos para balançar, rá! Hahaha E esse cara parece jogar um praga, porque é impossível não sentir vontade de imitá-lo!

    Concordo! O DVD é realmente perfeito. Em carinho só empata com o Live at Pompeii do Pink Floyd, que também vi muitas e muitas vezes...

    ResponderExcluir
  15. E o DVD saiu no auge da minha Ledmania, em 2003 ou 2004. Nossa, acho que nunca revi tanto um DVD...

    Esse do Floyd eu comprei e nem vi!

    ResponderExcluir
  16. Que pecado! Esse é o DVD que mais revi. Assista logo e você ainda poderá ter direito ao céu.

    ResponderExcluir